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'Nunca presenciei demissão da forma como foi feita’

Por Artur Rodrigues

FOTO: André Henriques/DGABC

Personagem conhecido no movimento sindical, Aparecido Inácio da Silva, o Cidão, teve papel fundamental na reviravolta das demissões feitas pela GM (General Motors) entre o fim de outubro e o início de novembro. Após funcionários serem demitidos por telegrama, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano convocou greve, que durou 16 dias, e levou a questão à Justiça do Trabalho, que impôs derrota à empresa. Em entrevista dada ao Diário, ele contou detalhes das negociações para cancelar as demissões, além de falar sobre os planos para as eleições do ano que vem (já foi vereador em São Caetano).

Nome: Aparecido Inácio da Silva Estado civil: Casado Idade: 71 anos Local de nascimento: Santo Anastácio-SP e mora em São Caetano Formação: Direito Livro que recomenda: O Poder da Mente, de Romulo Borges Rodrigues Profissão: Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano Onde trabalha: Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano O sindicato obteve uma grande vitória, obrigando a GM a recontratar os trabalhadores demitidos. Por outro lado, isso não pode contribuir de alguma forma para a montadora deixar o País? Não, isso não pode ser caracterizado como um fator impeditivo (para a continuidade da GM no Brasil), porque ninguém aqui está se opondo às questões da empresa. É direito da GM mandar embora (demitir). Mas quando há uma dispensa em massa, há uma comoção social. Então, nada mais justo do que, no nosso entender, de haver uma discussão. Já teve outras oportunidades mais complexas do que essa, em que houve um entendimento. Agora eles (GM) estão falando que esse lapso temporal de reaquecimento da economia está muito grande, que até o fim de 2024 eles não vão ter perspectiva de melhora. Eles dizem que a situação é muito grave. Mas já teve situação pior que não fizeram isso, na pandemia por exemplo. Foram dois anos, quase dois anos e pouco de pandemia, que foi muito mais prejudicial para a economia e para a estabilidade da empresa e não houve necessidade de um choque tão grande como esse. Durante as negociações, o que te fazia pensar que a empresa poderia rever as demissões? A verdade é a seguinte, confiança 100% a gente não tinha, mas tinha uma válvula que a gente podia estar buscando, que foi precedente ao que houve no passado com a Renault em São José dos Pinhais (a planta do Paraná teve de recontratar 747 trabalhadores por ordem da Justiça), e criou-se uma lei sobre dispensa em massa sem que houvesse uma negociação prévia com o sindicato. Qual é a relação com isso? Foi que a GM tentou, de todas as formas, justificar que houve negociação. Ela tentou fazer a ata dos nossos encontros. O meu departamento de imprensa começou a fazer boletim, eu falei não, não vai soltar nada e não vai oficializar nada. Isso antes das demissões? Antes das demissões, porque eu já pressentia alguma coisa futura, porque, como o pessoal rejeitou o PDV (Programa de Demissão Voluntária), eu não podia dar muita notoriedade e nem fazer muita divulgação da rejeição. Mas eu já estava pressentindo e provamos que não houve reunião, Houve, naquela oportunidade do PDV, uma discussão, mas se encerrou ali. Mais de um mês depois não teve nem contato para retomar as negociações. Por que a empresa não procurou o sindicato? Simplesmente mandou telegrama para os funcionários comunicando da demissão. Há quanto tempo o senhor está no sindicato? Ah, nem pergunta! Na presidência, desde 1988, de forma contínua. E nesse período todo, essa foi a maior vitória que vocês tiveram? Já teve outras vitórias importantes. Por exemplo, aquela manutenção da GM foi fundamental. Aquele acordo que fizemos em 2017 para trazer investimento para a planta (de São Caetano) foi importante. Agora, no que diz respeito à ação da empresa e a reação do sindicato, diria que foi a maior vitória. Porque nunca presenciei demissão da forma que foi feita, por telegrama, e também nunca presenciei o cancelamento de demissões. E com uma sequência de derrotas, porque a empresa não deu nada. Ela tentou, de todos os meios, cassar a liminar e não obteve sucesso. E acha que toda essa reviravolta pode desestimular outras empresas a fazer o que a GM fez? Como que a gente pode prever? Eu acho que eles podem se precaver de não tomar atitudes como essa. Porque, se ela negocia, se ela conversa, se ela dialoga, a coisa caminha e flui com mais naturalidade. É difícil a gente falar com segurança, porque as empresas sempre têm as formas, as técnicas de agirem. E se a gente começar também a falar de que forma que eles vão fazer, pode estar alimentando algumas coisas. Eu diria que as empresas têm que ter mais sensatez nas suas atitudes, porque o trabalhador tem que ser tratado com respeito, tem que ser tratado com dignidade. Não é um objeto para ser descartado assim, de qualquer forma. Ele está trabalhando, o chefe, o supervisor, o responsável direto por ele chega e fala ‘estou te desligando por conta disso, disso e disso’. Mas para que mandar um telegrama na casa do trabalhador, para ele ler a demissão junto com seus familiares? Tem que existir esse entendimento. Por exemplo, o que a Ford fez? Anunciou fechamento. É o caminho? Não sei. Sobre capital, eu digo o seguinte. Capital não tem coração e não tem pátria. Ele vai continuar aqui se tiver lucro e não por causa do que o Cidão pensa, ou porque gosta do Cidão. Vai continuar se achar que tem possibilidade de lucro, é só isso que o capital enxerga. O principal objetivo da empresa é dar lucro, não é por gostar de dar emprego. Nós, como sindicato, temos que entender essa questão também. Quanto nós podemos ser contra o capital? Não podemos. Temos que conviver com ele, precisamos dele. E a partir disso, nós vemos a melhor forma possível para trabalharmos. Qual é o papel do poder público para impedir essas demissões em massa? Eu sou contra essa questão de incentivo fiscal, por exemplo, e a abertura de crédito. Porque a partir do momento que você vai ceder esses benefícios, tem que ter a contrapartida da garantia do emprego. Porque o que já foi dado de benefício, de subsídio para essas empresas... E a contrapartida da obrigatoriedade da manutenção dos empregos, não tem. Então, quando nós firmamos, em 2017, a viabilidade de a empresa continuar aqui, um dos requisitos principais que coloquei foi a manutenção do nível do emprego. Mas quem vai cobrar isso, além do sindicato? Vou dar de novo o exemplo da Ford. O último acordo da Ford ninguém tinha conhecimento. Estava num cofre. Muitas vezes eu falei nas assembleias que ninguém sabia o acordo, de tão perverso que era. Em benefício de quem? Da montadora. E o que aconteceu? Ela foi embora. O que fizeram com a Ford? Deram tudo, terreno, terraplanagem, muita coisa. E o que aconteceu? Fechou, foi embora. Lucrou, lucrou, lucrou e no fim das contas foi embora. Então, quando falamos de poder público é esse tipo de coisa que temos que falar. Tudo bem o governo conceder incentivos às empresas, mas desde que tenha o compromisso e a obrigatoriedade de manutenção do emprego. ‘Eu vou te dar tanto, mas quero tantos empregos’, é assim que tem que ser, proporcional. Então você acha que é função do poder público garantir esses empregos? Aqui nós ainda somos um País que tem os maiores impostos do mundo. Então devia ter uma regra. Mas não para as montadoras, e sim para o consumidor. O consumidor que é a válvula. Dá a isenção de imposto para o consumidor para ver se a economia não melhora com as pessoas consumindo mais. Você vai dar isenção para a montadora e qual é a obrigatoriedade delade reduzir o preço do carro? Não tem. A economia vai ganhar muito mais se o imposto for reduzido para o consumidor, é ele que tem que ser beneficiado. Porque o cara consome, compra mais carro, gera indústria, gera trabalho, gera emprego. É uma consequência. Mudando um pouco de assunto, pensa em sair candidato na eleição do ano que vem? Estou pensando ainda, vamos ver como vai ficar. Porque estou querendo trabalhar para que o meu filho esteja comigo, não só para política, mas para tudo. Mas não vou falar disso agora porque senão atrapalha todo o planejamento. A gente conhece o Cidão sindicalista, mas quem é a pessoa Cidão? Como o senhor chegou em São Caetano? Eu nasci em Santo Anastácio (Oeste paulista). Mas meu pai vendeu o sítio de lá e foi para Flórida Paulista. E teve um ano que ele plantou bastante amendoim, mas bastante mesmo. Naquele ano ele ia tirar o pé da jaca. Mas acabou perdendo tudo com a chuva, não deu para colher e ficou endividado. Então, ele teve que vender o sítio em Flórida Paulista e nos mudamos para São Paulo. Mas nesse período ele apostou em mim. Dizia que eu tinha que estudar, às vezes abdicava do meu serviço na roça para que eu pudesse estudar. Ele veio para São Paulo e eu fiquei em Flórida para terminar o segundo ano do ginásio. Quando eu terminei, ele foi me buscar, morávamos no Parque São Rafael, na Capital. Eu comecei a trabalhar numa obra e servir no Exército, isso enquanto terminava o ginásio aqui em São Paulo. Até que o diretor do ginásio, o Ferreira, que era diretor de RH (recursos humanos) da GM, falou que, por eu ser um dos melhores alunos, ia me arrumar uma vaga na GM. Aí eu entrei na GM em setembro de 1971 e sou funcionário até agora. Entrei como ajudante de produção. Seis meses depois, comecei a fazer escola técnica em química no Pentágono, em Santo André. Mas ainda no ginásio eu tinha aula de legislação trabalhista e eu lembrava das aulas e comecei a observar que tinha muita coisa errada. O funcionário chegava dez minutos atrasado e a empresa descontava um dia inteiro, coisas assim. Aí eu comecei a defender os trabalhadores e comecei a gostar. Em 1983, teve a greve dos petroleiros e eu fui apoiar. E no lado de fora da GM, era bala de borracha para todo lado. Naquela época, a Avenida Goiás era pequena, mão única. A polícia fechou a avenida e desceu a madeira em todo mundo. Mas eu fui gostando dessas lutas. Em 1984, fui chamado para compor a chapa no sindicato, mas eu falei que só iria para a diretoria executiva, porque eu queria ir para a ação. Oito meses depois eu já era secretário geral do sindicato e, no mandato seguinte, já fui eleito para presidente.

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