No passado, concluir um curso no ensino superior era garantia de cargo com
melhores condições salariais. Atualmente, os dados do emprego formal na região
mostram cenário diferente. No Grande ABC, um a cada três trabalhadores com
ensino superior está em um posto de trabalho aquém da sua formação. Os dados
são da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) do Ministério da Economia e
se referem ao ano de 2018. As informações, que foram divulgadas no último mês,
foram levantadas por profissão pelo coordenador de estudos do observatório e
professor de economia da Metodista, Sandro Renato Maskio, e tabuladas pela
equipe do Diário.
Do total de 155.185 empregados que possuem ensino superior e têm carteira
assinada, 50.190 estão registrados em profissões como operadores de
telemarketing, recepcionistas, técnicos, entre outras. Ou seja, são 32,3% dos que
possuem diploma.
Em primeiro lugar, aparece o registro de escriturários em geral, agentes,
assistentes e auxiliares administrativos, que correspondem pela maioria dos
profissionais (15.462). De acordo com Maskio, a maioria desses registros é de
assistentes administrativos. “Escriturário era um termo muito usado em banco
antigamente e era a porta de entrada nas agências. A maioria é assistentes e
auxiliares. Em tese, você emprega muitos jovens recém-formados”, disse.
Em segundo lugar aparecem 2.844 profissionais empregados como técnicos de
vendas especializados. A equipe do Diário procurou via internet vagas para a
formação e a maioria delas exige ensino médio completo e sinaliza como desejável
que o candidato esteja cursando ensino superior em marketing ou na área em que
a empresa atua.
O mesmo acontece nas oportunidades para técnico de controle de produção, que
também aparecem no ranking, no qual são exigidos cursos como engenharia e
administração. A profissão de vendedor ou demonstrador em lojas aparece na
terceira posição (2.713), seguido do operador de telemarketing (2.492).
A lista não contabiliza profissionais informais, como motoristas de aplicativo ou
MEIs (Microempreendedores Individuais), pois só contabiliza trabalhadores com
registro em carteira.
Maskio comentou que o cenário é fruto da questão econômica e mostra que a
região ainda não conseguiu se recuperar da recessão. Mas ele também citou o
processo de ensino que as pessoas são levadas a concluir. “Há pressão bastante
forte para se ter formação superior, mas, na realidade você usa essa mão de obra
para ocupação que não necessariamente exija uma formação superior”, afirmou. “O
interessante é você ter processo para ter conhecimento técnico e robusto. Hoje
você tem massa de pessoas formadas que não tem esse conhecimento e acaba
criando um conjunto de pessoas que atuam nessas profissões.”
Para o economista e coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de
Tecnologia, Ricardo Balistiero, esse é um dos problemas mais graves que o País
enfrenta. “Que é pegar a sua mão de obra qualificada e não oferecer a ela um
emprego digno, vamos assim dizer. Toda mão de obra é importante para o País,
mas há uma categoria que pode gerar uma produtividade maior e é essa mão de
obra que estudou mais, fez curso técnico, faculdade, mestrado e doutorado. E
essas pessoas estão com dificuldade de conseguir colocação e muitas vezes,
quando conseguem, é com remuneração menor.”
Para mudar o cenário, os especialistas são categóricos de que é extremamente
necessária a retomada do mercado de trabalho da região. “Não existe possibilidade
de empregar no Brasil se não houver estratégia de crescimento econômico. O
governo até apontou algumas medidas importantes neste sentido, mas a questão é
que o governo é pouco confiável aos olhos do investidor internacional. Ainda mais
com as declarações do presidente (Jair Bolsonaro) e do ministro da fazenda (Paulo
Guedes), que se referiu a possibilidade de volta do AI-5”, afirmou Balistiero.
Maskio completou que “o mercado tem que se movimentar. “Precisa ter demanda
para contratar, mas é importante que a gente tenha aprimoramento qualitativo no
processo educacional. Não é uma questão apenas da formação, mas de ter
capacidade de gestão.”
FORMAÇÃO
A recepcionista Elizabeth Dias Boff, 38 anos, moradora de Diadema e que trabalha
em empresa de São Bernardo, é uma das 1.288 profissionais que atuam no cargo
na região e possuem ensino superior. Ela é formada há dois anos em educação
física, mas acabou não atuando na área por causa da gravidez. “Acabei nem
procurando porque eu terminei (a faculdade) e descobri que estava grávida. Já
passo o dia fora, então optei por continuar no meu emprego para me dedicar mais
à minha filha”, disse.
Mesmo assim, Elizabeth pretende iniciar sua carreira na área e classifica que o
emprego atual é uma situação temporária, já que ela não conseguiria conciliar o
início da carreira com os primeiros anos de maternidade. “Quando ela (filha) estiver
maiorzinha, pretendo prestar concurso na área. quero fazer uma pós-graduação
em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e também pretendo fazer psicologia.”
A busca por mais formações é justamente por conseguir um emprego. “Você tem
que se especializar atualmente, se não a sua formação fica muito vaga. Hoje,
faculdade não é mais garantia de um emprego bom. Ainda mais para fazer
concurso; tem que fazer pós-graduação e especialização para isso”, comentou ela.
FONTE: DGABC 02-12-2019